De prisão decretada
Não vejo o chão
Não toco as paredes
Não sei onde estou
De olhos vendados
Não sei onde vou
Empurra-me uma força
Não sei de onde assomou
Pesam-me as correntes
Arrasto os passos
Avanço com medo
Garganta fechada, um som a morrer
Calor por dentro
Vejo sem ver
Como se de fora contemplasse
Meu eu a não se mover
Estranho! Não leva correntes
Nada lhe tolhe os passos
Volto para mim
Ver-me por dentro tomo como missão
Encontro um cordão
Prendia-se ao coração
Toldava-me a visão
Toldava-me a razão
Estranho, uma corrente assim
Que prendia-me sem o saber
Corto-o por fim
E começo-me a mover
Experimento correr
Não o sei fazer
Como saberia mais do que andar
Quem só agora começou a ver?
Já na posse de razão e visão, volto para dentro
Encontro novas correntes
Essas prendem-me a entes
Que não ouso nomear
Mas aqui te afianço e garanto
Que se fores esperto hás-de lá chegar
Corto também e vou mais além
O chão já não me chega, quero o ar
Mete-me na cabeça
Voar ser meu destino
Mas como haveria de alar-se
Quem começou agora a correr?
Todo o caminho que fiz aguçara-me a visão
Prendendo-me as asas que devia ter
Vejo fios quase invisíveis
Estorvando o seu nascer
Corto-os por fim
Com precisão
Começo a voar
Não mais hei-de parar
© Janice da Graça
Bienal de Arte de Cerveira, 2017
Fotografias: "Ensaio de Voo" - um click de Bob Lima