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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

KRIOL

Na son dose y salgód d’linga d’nha terra
ke N dá amdjer
Na sê Kadênsia de suavidade y guerra
ke ês alimentame y espendeme de txôn

D´riba d’nhâ munde N durmi,
Y na kriol K’nhas sonhe txegá

Aoje, ê sês nota Kte fasêm vibrá
Moda ke N conxêl, moda kel tmame
Aoje, ê na kriol ke N t’amá
Na êl Ke N t dá y ke N t tmá
Kel, N te sinti mi
Y na sê seio, N te sinti nôs





[1] Crioulo / Ao som doce e salgado da língua da minha terra/ Me tornei mulher/ Na sua cadência de suavidade e guerra/ Me alimentaram e criaram/ Em cima do meu mundo eu dormi/ E foi em crioulo que os sonhos me chegaram/ Hoje, são as suas notas que me fazem vibrar
Da forma como o conheci, da forma como me possuiu / Hoje é em crioulo que amo/ Que me dou e recebo / Nele me sinto eu/ No seu seio me sinto nós


© Janice da Graça      

terça-feira, 7 de agosto de 2018

RELATOS DE SURRAYÁ: OS QUATRO ELEMENTOS, O SER HUMANO E O SER ARTE(ISTA)


O homem, tal como os outros seres, nasce, cresce, reproduz-se e acaba por morrer. Assim é a lei natural das coisas e assim comanda o plano de evolução do universo. Mas ele é diferente. Diferente porque traz consigo, desde os tempos mais remotos, memórias, intenções e um desejo premente de imortalidade.

O ser é, ao princípio, metade fera, metade vegetal. Mas há o ar, que se quer tornar espírito, e então, surge o homem, um homem que possui um quê de diferente, que o distingue do simples ser. Esse espírito humano, que poderá ser encarado como essa capacidade que temos de viajar no tempo e no espaço, deixando para trás o corpo terreno e passivo, envolvendo-nos na atividade do ar, num ato de festejo à natureza do etéreo em nós. O ar é a lei da comunicação. O caminho próprio da voz: a comunicação connosco e com o mundo. O elemento ar é, portanto, um símbolo sensível da vida invisível. Vida que a mente tem, um pouco para além da simples vida terrena, à qual, aliás, se opõe. O ar cobre,  transporta e eleva.

No ar, fronteira entre a terra e o mais além, encontra-se a luz, o calor do sol e, portanto, o fogo, com o seu movimento, cores e vibrações. Fogo esse que nos impele às paixões, tão necessárias ao ato de criar: o amor, a cólera, a paixão, a ansia de viver, conhecer, exprimir-se, em suma, tudo aquilo que nos faz deveras vibrar, levando-nos aos movimentos que só podemos descobrir quando nos contorcemos ou dançamos com a emoção do que nos é real. É preciso criar dentro de nós uma alma como o fogo. Uma alma capaz de destruir tudo. Tudo o que somos, tudo o que pensamos, tudo o que sentimos, para que sejamos total e completamente outros. Renascendo do fim, lançando para trás tudo o que não nos serve. Tudo o que, estando em nós, não é na realidade nosso, não passando de fachadas do falso ser que nos acomodamos a deixar viver por nós. O fogo anima, e destrói, permitindo reconstrução. É a importância do corte que permite o renascimento, das cinzas, das novas versões que precisam nascer, no movimento cíclico da vida, entre o aparecimento, a morte e o reaparecimento das coisas e dos seres, mas também das ideias, com tudo o que tal implica na realidade do processo criativo de fazer(-se) nascer.

O fogo cuida e fere. A terra sustenta. Mulher e mãe, todos recebem dela a vida, sendo esse o ventre da nossa existência. Dando-nos o alimento e abrigando-nos, no seu seio, para inspirar os que ainda virão. A terra é como uma virgem fecundada pela chuva, como se esta fosse o sémen dos céus: a lavoura, a penetração sexual; a colheita, o parto; o trabalho agrícola, o ato gerador. A terra é o consciente. O palco dos tramas humanos. A vida. Fecundação e regeneração. Há um sentimento enraizado, em cada um de nós, consciente ou inconsciente, da importância da terra que nos suporta a vida. Voltar para a terra (entenda-se contacto com a natureza) ativa o espírito e pacifica as paixões violentas do ar e do fogo em nós, enraizando-nos no presente. Estabilidade, paz e fecundação. Sinto a alma respirar fundo, três vezes, e aquietar-se no presente para descobrir, no movimento em câmara lenta da calma, as sementes de inspiração, previamente plantadas pelos meus vendavais.

O ar, fonte de comunicação dos seres, transporta as sementes que a terra em nós acolhe e o nosso fogo aquece. Mas ainda não estamos prontos para fazer nascer. Não antes do coito entre o terreno e o etéreo. Não antes do ato de fecundação, com a nossa água, que será sempre o sémen que dará à luz os filhos da terra e do homem. Todos os filhos. Os da carne e os do espírito. A água não é, somente, a fonte da vida. Sinto-a nos meus sentidos: é um meio de purificação. Ao ser batizada pela água, liquida e ativa, deixo fluir com ela os pensamentos negativos e sinto-me calma e doce, recetiva e pronta, tal como uma noiva, em leito de núpcias. Húmida e tempestuosa, no entanto, já que dentro de mim sinto arder o fogo de mim, pois a água não fertiliza apenas a terra. Também a alma, fazendo nascer novas e puras as paixões, dando brilho ao sol da alma. 

Pintura: Jan Brueghel , Foto por Chaos, Pixabay


Pintura: Jan Brueghel , Foto por Chaos, Pixabay

O fogo, como elemento, faz evaporar a água, levando-a ao seu estado mais subtil, tornando-a, assim, parte do ar, que sendo o espírito, é a criatividade, a imaginação e a força que sempre guiará a arte. Pousados e pausados na terra de nós, acalmados, deixemos então que o nosso fogo nos evapore e nos eleve, levando-nos ao ponto mais alto de nós, para que nos transformemos, e chovamos, fecundando-nos novamente.

Somos arte. Aspiremos ao belo.


© Janice da Graça