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sábado, 30 de junho de 2018

POETAS, PELE E FONEMAS

Foto: Alex Van



Todas as palavras são de todos
A cor da alma comanda a voz
e escolhe aquelas que nos cabe usar

Os poetas, no seu excesso de sensibilidade
(amam e sofrem no tom da hipérbole que deles fez gente!)
organizam-nas de modos estranhamente insinuantes
Penetrantes
Tentáculos de sons que me afloram os desejos
Na languidez de uma tarde do verão que já se quer mostrar
Há vestígios do teu poema na minha pele
Dormimos juntos, os dois
Não tu e eu, cabe esclarecer
Mas eu e o poema
Agarrados à mesma nota
Entrelaçados sob a mesma coberta

Acordei tarde
Feliz e descomposta
em meio a pedaços de fonemas
E percebi que foi mais que um sonho: foi vontade

Do poeta ou do poema?
Confundo-me. Tanto faz, decido:
O poeta esteve cá.

Verbando substantivos
Conjugando adjetivos
Libertando palavras dos limites das suas funções gramaticais

E de repente uma palavra
que nasceu apenas para ligar frases
Torna-se, ela, uma frase composta de todos os sentidos

E de repente eu que não nasci para ser tua
Sou-te, nesse fonema,
Até ao tutano

As palavras são de todos
Mas a poesia é dos que são condenados a sentir
No corpo todo
O toque de uma palavra
E sofrem da urgência de se exprimir de tal modo,
que toldados pela emoção,
Desorganizam a retidão das regras

[Da gramática e da vida]

Hoje sou mais que tua
sou-te
Poeta,
Anarquista da literatura

Hoje somos mais do podemos sonhar ser
Somos-nos
Mestres e escravos das palavras
Vítimas da poesia


© Janice da Graça     

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