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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Criei Asas







De prisão decretada
Não vejo o chão
Não toco as paredes
Não sei onde estou

De olhos vendados

Não sei onde vou
Empurra-me uma força
Não sei de onde assomou

Pesam-me as correntes

Arrasto os passos
Avanço com medo
Garganta fechada, um som a morrer

Calor por dentro

Vejo sem ver
Como se de fora contemplasse
Meu eu a não se mover

Estranho! Não leva correntes

Nada lhe tolhe os passos
Volto para mim
Ver-me por dentro tomo como missão

Encontro um cordão

Prendia-se ao coração
Toldava-me a visão
Toldava-me a razão

Estranho, uma corrente assim

Que prendia-me sem o saber
Corto-o por fim
E começo-me a mover

Experimento correr

Não o sei fazer
Como saberia mais do que andar
Quem só agora começou a ver?

Já na posse de razão e visão, volto para dentro

Encontro novas correntes
Essas prendem-me a entes
Que não ouso nomear

Mas aqui te afianço e garanto

Que se fores esperto hás-de lá chegar
Corto também e vou mais além
O chão já não me chega, quero o ar

Mete-me na cabeça

Voar ser meu destino
Mas como haveria de alar-se
Quem começou agora a correr?

Todo o caminho que fiz aguçara-me a visão

Prendendo-me as asas que devia ter
Vejo fios quase invisíveis
Estorvando o seu nascer

Corto-os por fim

Com precisão
Começo a voar
Não mais hei-de parar

© Janice da Graça 

Bienal de Arte de Cerveira, 2017

Fotografias: "Ensaio de Voo" - um click de Bob Lima