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sábado, 17 de fevereiro de 2018

Racismo: o desconhecimento é a fonte do preconceito

Vou-vos contar um episódio da minha vida, com uma segunda intenção à qual chegarei no final. 
Outubro de 2005, tinha eu acabado de chegar a Portugal para estudar e apanhei o ano letivo já um pouco avançado. No entanto, os resultados foram muito bons. Entre eles, tive um 20 a matemática de um professor que, já em ano de reforma, nunca tinha “dado um 20”. Tinha até fama de ser muito forreta com notas. Ele nem me entregou o resultado logo. Disse que o conservaria por mais alguns dias para rever e ver se não havia mesmo nada a descontar. Quando a nota foi publicada, diz uma das minhas colegas: “Ah! Não sabia que se estudava matemática assim em África!”. 

“Ah! Não sabia que se estudava matemática assim em África!” Não repondo. Toma a palavra o professor Tomé Gil, que fora também professor em alguns países africanos e nutria uma grande simpatia pelo continente: "Saiba que em África se estuda matemática tão bem como em qualquer lado". “Melhor do que a menina, por sinal, que teve negativa e vai ter que estudar melhor para o próximo teste!”. “nem parecia africana”


Alguns dias depois, alguns alunos do 4º ano, muito curiosos, foram à nossa pacata sala de caloiros, perguntar pelo “famoso” 20. Encolho-me tímida numa cadeira (não estava habituada a tanta festa por um 20, já que em casa nunca me fizeram grandes alvoroços pelas minhas notas e, sinceramente, sempre considerei bons resultados como a minha obrigação como estudante e não motivo de grandes festas). No entanto, sou abrigada a mostrar-me, já que uma amiga e colega aponta alegremente para mim. Vejo novamente em alguns rostos a expressão de surpresa. Esse foi apenas o início de um percurso em que várias vezes tive que ouvir que eu “nem parecia africana” ou beneficiei de um tratamento diferencial favorável por parte de pessoas que tinham preconceitos raciais e, na realidade, nem o notavam. Por vezes indagaram-me se eu tinha crescido em Portugal já que, segundo essas pessoas, eu tenho “um português tão bom que nem pareço africana” e sou muito “inteligente e bem formada”.
Contínuo o meu percurso académico. Ainda no primeiro ano ganho um prémio como uma das 5 melhores alunas numa universidade com cerca de 21 mil alunos e, no último ano do curso, ganho o prémio de melhor aluna do curso de Política Social, prémio esse que abre-me as portas a seguir diretamente para o Doutoramento se assim o desejasse (só a título de curiosidade, acabei por preferir um mestrado em Arte Educação ^-^).
Assim, nesse percurso, esses comentários tornaram-se frequentes. E a minha resposta foi sempre a mesma: “Ah (!), mas eu sou MUITO africana. Lá nasci, cresci, educada pelos meus pais que me convenceram de que eu posso tudo aquilo que eu quiser (ambos também MUITO africanos que sequer puseram um pé fora de Cabo Verde), grandes professores e educadores e ainda excelentes colegas e amigos que me fizeram ver mais longe, todos BASTANTE africanos. Deveriam lá ir a conhecer outros tantos como eu. Não sou prodígio algum”. 
Isso tudo para vos dizer que o racismo e o preconceito ainda andam por aí. Por vezes de forma tão subtil que nem a pessoa em causa nota que está a ser preconceituosa. Muitas das pessoas que fizeram tais comentário acreditaram que me estavam a elogiar. Não as levei a mal. Percebi apenas o quanto ainda há para se fazer para apagar o estereótipo negativo que continua a pesar sobre o continente africano. Mas o preconceito não nasce da maldade mas sim da ignorância e pode ser interiorizado até pelas vítimas de preconceito em forma de insegurança e auto-conceitos negativos. 

“...o preconceito não nasce da maldade mas sim da ingnorência e pode ser interiorizado até pelas vítimas de preconceito em forma de insegurança e autoconceitos negativos."
Assim, para todos nós, as vezes vítimas inconscientes de uma auto-imagem negativa e da consequente insegurança que a acompanha, ás vezes carrascos donos de uma mente preconceituosa e perpetuadores de atos de descriminação conscientes ou inconscientes, digo: 

(1) não te desaprecies seja por que motivo for. Acredita que não importa de onde vens ou que tipo de estereótipos pesam sobre ti, és capaz de tudo aquilo que quiseres. Mas, também não tenhas raiva de quem tenha preconceitos, seja em que área for. Pelo contrário! Ajuda a educar essas pessoas. Seja a diferença que queres ver. Mostra a elas aquilo que elas não sabem. As pessoas acreditam nas histórias que lhes são contadas pelos media e pelos outros sobre os locais a onde nunca foram e pessoas que nunca conheceram. E, infelizmente, as histórias de desgraças, malfeitos e catástrofes vendem mais do que as histórias positivas. Ajuda a contar as histórias e estórias positivas da África! Ajuda a mostrar que não importa onde nascemos, crescemos e nos formamos, somos e seremos sempre iguais! O que faz a diferença não é a cor ou raça (já agora, sexo, religião, género, orientação sexual, etc. etc.) mas sim a vontade individual de cada um se desenvolver e as oportunidades de formação e crescimento que cada um obtém. Assim, envolve-te ativamente na luta contra o preconceito! 

(2) Vigia a ti mesmo, procura reconhecer e trabalhar os teus preconceitos, por um mundo mais agradável para todos nós. 
– Dedico este post aos meus pais, em primeiro lugar, por me abrirem (escancararem) a mente; aos professores que me deram gosto pelo conhecimento; aos colegas e amigos que me inspiraram e desafiaram; aos autores de todos os livros cuja leitura me ajudou a crescer; aos educadores e colegas dos meios artísticos em que circulei já que a arte ajuda-nos a ver o mundo de modo diferente e tê-la na nossa educação faz-nos ir mais além seja em que área for; e também aos amigos maravilhosos que fiz em Portugal que são a prova viva de que a amizade não olha às diferenças (reais ou imaginárias!) e, já agora, aos amigos de diferentes países que fiz pelo Mundo: africanos, europeus e orientais, pelo mesmo motivo! E, finalmente, já que não vejo nenhum motivo porque não, a todos aqueles que lutam contra preconceitos de qualquer espécie e a todos aqueles que lá no fundo têm alguns preconceitos que precisam trabalhar. A todos! Por um mundo mais tolerante.

© Janice da Graça 

E para acompanhar este post ficam algumas imagens do projecto que debate racismo e cotas de uma aluna da Universidade de Brasília que produziu uma série de fotografias para a disciplina de antropologia visual. Ela tirou fotos de negros no campus citando as frases racistas mais ouvidas:







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