O homem, tal como os outros seres, nasce, cresce, reproduz-se e acaba por
morrer. Assim é a lei natural das coisas e assim comanda o plano de evolução do
universo. Mas ele é diferente. Diferente porque traz consigo, desde os tempos
mais remotos, memórias, intenções e um desejo premente de imortalidade.
O ser é, ao princípio, metade fera, metade vegetal. Mas há o ar, que se
quer tornar espírito, e então, surge o homem, um homem que possui um quê de
diferente, que o distingue do simples ser. Esse espírito humano, que poderá ser
encarado como essa capacidade que temos de viajar no tempo e no espaço,
deixando para trás o corpo terreno e passivo, envolvendo-nos na atividade do
ar, num ato de festejo à natureza do etéreo em nós. O ar é a lei da
comunicação. O caminho próprio da voz: a comunicação connosco e com o mundo. O
elemento ar é, portanto, um símbolo sensível da vida invisível. Vida que a
mente tem, um pouco para além da simples vida terrena, à qual, aliás, se opõe.
O ar cobre, transporta e eleva.
No ar, fronteira entre a terra e o mais além, encontra-se a luz, o calor do
sol e, portanto, o fogo, com o seu movimento, cores e vibrações. Fogo esse que
nos impele às paixões, tão necessárias ao ato de criar: o amor, a cólera, a
paixão, a ansia de viver, conhecer, exprimir-se, em suma, tudo aquilo que nos
faz deveras vibrar, levando-nos aos movimentos que só podemos descobrir quando
nos contorcemos ou dançamos com a emoção do que nos é real. É preciso criar
dentro de nós uma alma como o fogo. Uma alma capaz de destruir tudo. Tudo o que
somos, tudo o que pensamos, tudo o que sentimos, para que sejamos total e
completamente outros. Renascendo do fim, lançando para trás tudo o que não nos
serve. Tudo o que, estando em nós, não é na realidade nosso, não passando de
fachadas do falso ser que nos acomodamos a deixar viver por nós. O fogo
anima, e destrói, permitindo reconstrução. É a importância do corte que permite
o renascimento, das cinzas, das novas versões que precisam nascer, no movimento
cíclico da vida, entre o aparecimento, a morte e o reaparecimento das coisas e
dos seres, mas também das ideias, com tudo o que tal implica na realidade do
processo criativo de fazer(-se) nascer.
O fogo cuida e fere. A terra sustenta. Mulher e mãe, todos recebem dela a
vida, sendo esse o ventre da nossa existência. Dando-nos o alimento e
abrigando-nos, no seu seio, para inspirar os que ainda virão. A terra é como
uma virgem fecundada pela chuva, como se esta fosse o sémen dos céus: a
lavoura, a penetração sexual; a colheita, o parto; o trabalho agrícola, o ato
gerador. A terra é o consciente. O palco dos tramas humanos. A vida. Fecundação
e regeneração. Há um sentimento enraizado, em cada um de nós, consciente ou
inconsciente, da importância da terra que nos suporta a vida. Voltar para a
terra (entenda-se contacto com a natureza) ativa o espírito e pacifica as
paixões violentas do ar e do fogo em nós, enraizando-nos no presente.
Estabilidade, paz e fecundação. Sinto a alma respirar fundo, três vezes, e
aquietar-se no presente para descobrir, no movimento em câmara lenta da calma,
as sementes de inspiração, previamente plantadas pelos meus vendavais.
O ar, fonte de comunicação dos seres, transporta as sementes que a terra em
nós acolhe e o nosso fogo aquece. Mas ainda não estamos prontos para fazer
nascer. Não antes do coito entre o terreno e o etéreo. Não antes do ato de
fecundação, com a nossa água, que será sempre o sémen que dará à luz os filhos
da terra e do homem. Todos os filhos. Os da carne e os do espírito. A água não
é, somente, a fonte da vida. Sinto-a nos meus sentidos: é um meio de
purificação. Ao ser batizada pela água, liquida e ativa, deixo fluir com ela os
pensamentos negativos e sinto-me calma e doce, recetiva e pronta, tal como uma
noiva, em leito de núpcias. Húmida e tempestuosa, no entanto, já que dentro de
mim sinto arder o fogo de mim, pois a água não fertiliza apenas a terra. Também
a alma, fazendo nascer novas e puras as paixões, dando brilho ao sol da alma.
Pintura: Jan Brueghel , Foto por Chaos, Pixabay |
O fogo, como elemento, faz evaporar a água, levando-a ao seu estado mais
subtil, tornando-a, assim, parte do ar, que sendo o espírito, é a criatividade,
a imaginação e a força que sempre guiará a arte. Pousados e pausados na terra
de nós, acalmados, deixemos então que o nosso fogo nos evapore e nos eleve,
levando-nos ao ponto mais alto de nós, para que nos transformemos, e chovamos,
fecundando-nos novamente.
Somos arte. Aspiremos ao belo.
Sem comentários:
Enviar um comentário